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Textos

"         Isabela Seifarth é uma jovem artista que tem grande entrega às complexidades do processo criativo. Já há alguns anos, desde que as vi pela primeira vez, as suas pinturas mobilizam minha percepção estética. Creditar à sua formação pregressa em arquitetura o interesse pela paisagem urbana não dá conta de seu processo e investigações pessoais, impregnadas da vivência do cotidiano do recôncavo baiano, de onde a artista é originária, e de uma experiência muito pessoal da vida nas cidades. Destacam-se certas pinturas em que subverte a mimese, seja pelas narrativas plurissignificativas gerando leituras abertas, seja pelo uso de uma perspectiva sobre a paisagem urbana em que a escala monumental das cidades contrasta com a sutileza e vulnerabilidade evocadas pela inserção de delicadas figuras humanas .

           Como generosas metragens das “feiras, livres” de Isabela Seifarth me instigam agora a pensar sua pintura a partir das aproximações e afastamentos com uma certa linhagem baiana de pintores e muralistas que construíram narrativas às vezes épicas, expressando o fascínio com as singularidades da Bahia, às vezes críticas, burlesquas ou satíricas, às vezes exotizantes e / ou consolidadoras do imaginário idílico, bucólico e atemporal da “terra boa” com gente “mestiça, afável e indolente”. Uma linhagem que ganhou popularidade e ser aceita para os cânones da história e da crítica da veio arte, mas nem sempre abordou os traumas da colonização e como consequências perversas da nossa longa história de violência.

            Para além do domínio técnico, eis entretanto na série de Bela sobre as feiras livres, uma iminência de uma poética que experimenta procedimentos nas bordas difusas dos limites da representação, mas ancorada de algum modo pela persistência de um real às vezes poético, às vezes caótico , às vezes brutal. Poesia, caos e brutalidade irrompem na pintura numa lógica poética que envolve temporalidades emaranhadas e se descola da presunção de neutralidade, transparência ou objetividade ao decidir tratar também, reflexivamente, nossas feridas abertas, inclusive violências, silenciamentos, privilégios e hierarquias - a colonialidade que habitamos e nos habita.

             Essa decisão transborda em algumas cenas que podem gerar desconforto diante da antiguidade e atualidade das violências representadas, e é vivenciada com a inquietação de uma artista que - num momento político extremamente tenso e antidemocrático - sente mais que nunca a urgência de colocar em questão o que - junto com uma polifonia de vozes e narrativas - sente ruir definitivamente diante de si: o mito do nosso país como o paraíso dos homens cordiais."

Rosa Bunchaft para a exposição Feira Livre, Galeria ACBEU, 2018

"             Na primeira sala, uma obra “Boi-Mandioca”, de Bela Seifarth, devora qualquer um que entre naquele espaço. A ferocidade da obra desestabiliza qualquer passante que mire a estranheza desse quadro. É uma obra que traz a força de um Brasil-chão, pisado por bois andantes sobre terras onde nascem mandiocas. De perto parece que dois bichos estão muito vivos, junto com caranguejos e bananas, iluminados por um azul muito intenso que torna tudo muito mais vibrante. Captura-se, nessa obra, as opções ativas de um país que resiste pelo chão, pelas tocas. De repente, parece que vemos uma coisa só, que representa um certo devir-animal, devir-terra. Duas opções, duas grandezas juntas, que se retroalimentam para além das bordas de um país irreconhecível."

Rosana Junqueira para a exposição Abstrato / Abstrações, Galeria Cañizares, 2021

"               Na sala do Mafro que antecede a versão do panteão iorubano de Carybé, Isabela Seifarth apresentadas como pinturas Totem a um museu afrobrasileiro I, II e III. Em cada tela um corpo negro anônimo equilibra sobre sua cabeça um conjunto de esculturas africanas encaixadas verticalmente que podem ser identificados no acervo do Mafro e da casa do Benin, especialmente como máscaras geledé. O gesto de vestir a máscara é traduzido nas imagens em um jogo entre memória e esquecimento. A palavra totem geralmente remete ao agrupamento de símbolos sagrados que representam uma coletividade produzida, em torno do qual são produzidas narrativas que justificam a organização da vida social. Os totens propostos por Isabela agrupam esculturas e objetos de modo oposto às permanecerentes do museu, onde se separam separados e apoiados sobre expositores que sinalizam distanciamento, sacralidade e sua perenidade no tempo. Ao desenho-los sobre uma cabeça humana, remetendo ao uso das máscaras no contexto do Festival Geledé que ocorre anualmente nas aldeias Ketu- -Iorubá, um artista tensiona a monumentalidade proposta pela museografia, convidando a uma experiência livre da memória baseada na reminiscência. Assim, diante das imagens, resta ao visitante produzir como narrativas acerca de sua passagem no museu.

                 Em Acúmulos de um museu afro-brasileiro, animação em vídeo apresentada na Casa do Benin, na qual todas as esculturas e objetos de culto doados ao museu citados por ela em Totem um museu afrobrasileiro I, II e III são vistos em uma sequência contínua , de baixo para cima, acompanhadodas pelo som das vozes de visitantes ao fundo. Aqui, Isabela reitera a crítica ao museu na construção do olhar do público e vice-versa, o que desperta outras problemáticas, a saber: o quanto é possível guardar e exibir em um museu? Quantas Áfricas pode acumular um museu dedicado à arte africana e / ou afrobrasileira?"

Uriel Bezerra para a exposição Nkaringana, Museu Afrobrasileiro, 2020

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